ORIENTAÇÕES IMPORTANTES ACERCA DO ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO
Por: Dra. Jéssica Ribeiro.
A Constituição Federal do Brasil como estabelece como um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito a dignidade da pessoa humana, bem como assegura aos seus trabalhadores um meio ambiente de trabalho equilibrado, mas será que esta é uma verdade absoluta no mercado de trabalho brasileiro?
O assédio moral no trabalho é um problema inegavelmente presente na realidade de muitos brasileiros e nas últimas décadas vem tomado proporções elevadas tornando-se uma temática essencial para a saúde de trabalhadores. Porém, embora o assunto esteja em alta, muitos trabalhadores têm uma compreensão parcial ou equivocada sobre.
Este artigo pretende esclarecer ao leitor o conceito do assédio moral no trabalho, indicar os fundamentos legais deste no ordenamento jurídico bem como demonstrar por meio de jurisprudências como tem sido a atuação do Poder Judiciário a esse respeito.
O QUE É ASSÉDIO MORAL?
O conceito de assédio moral envolve a presença de comportamentos hostis e condutas abusivas que podem ser concretizadas em palavras, comportamentos e até mesmo gestos por parte do agressor, mas como saber se você está envolvido em uma situação que se enquadra nessa definição?
Assédio moral no ambiente de trabalho, segundo a cartilha elaborada pelo Tribunal Superior do Trabalho – disponível na guia “Materiais Educativos” do site – pode ser classificado de acordo com sua abrangência (interpessoal ou institucional), bem como de três modos distintos (vertical descendente ou ascendente; horizontal; misto)[1].
Quanto à abrangência, é interpessoal quando o assédio em praticando entre os indivíduos de maneira direta e pessoal. Noutro sentido, será institucional quando a própria organização tolera atos de assédio em suas estratégias de atuação resultando em uma cultura institucional de humilhação e controle.
No tocante aos modos, será caracterizado assédio moral vertical descendente quando se tratar de conduta lesiva por parte de superior hierárquico em relação ao subordinado; ou assédio moral vertical ascendente quando as práticas lesivas partem de um ou mais subordinados contra o superior hierárquico. O assédio moral horizontal ocorre quando assediador e assediado não estão em níveis hierárquicos distintos, ou seja, ambos pertencem ao mesmo nível de hierarquia, não há superior e subordinado, até porque, se houvesse, seria enquadrado como assédio vertical. Por fim, o assédio moral misto, como se pode deduzir, consiste na ocorrência de assédio tanto por parte de pessoas em níveis hierárquicos distintos do assediado quanto por aqueles que se encontram no mesmo nível que ele, o ofendido.
Não existe uma definição exata de quais são todos os comportamentos, gestos e todas as palavras capazes do que concretiza o assédio moral justamente porque é impossível delimitar as inúmeras situações humilhantes e constrangedora que podem afetar alguém em seu ambiente de trabalho, mas a título de exemplo, citamos as seguintes práticas:
- Retirar a autonomia do obreiro ou contestar suas decisões com frequência;
- Provocar a sensação de inutilidade no trabalhador;
- Ignorar com frequência a presença do assediado, dirigindo-se aos demais presentes;
- Delegar tarefas humilhantes
- Gritar ou usar palavras de baixo calão para dirigir-se ao próximo no ambiente de trabalho;
- Atribuir apelidos pejorativos;
- Postar mensagens (incluindo fotos) depreciativas em grupos e nas redes sociais;
- Advertências arbitrárias;
- Fazer gestos ofensivos;
Pois bem, estas e outras práticas semelhantes podem gerar constrangimentos, desconforto, pressão psicológica e até mesmo o abalo na saúde do assediado no ambiente de trabalho.
É importante destacar que exigências profissionais quanto à eficiência e cumprimento de metas, o aumento do volume de trabalho, uso de mecanismos de controle do trabalho, por si só, não bastam para afirmar que há assédio moral no ambiente de trabalho, é indispensável analisar caso a caso a fim de identificar uma possível ocorrência deste no contexto geral do trabalho.
O ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO É LEGAL?
O Poder Judiciário vem lidando diariamente com casos de assédio moral no ambiente de trabalho, entretanto, quais são os fundamentos legais lançados pelos operadores do direito nessa importante missão de assegurar os direitos básicos dos trabalhadores?
O Estado Democrático de Direito tem como fundamentos: a dignidade da pessoa humana e o valor social do trabalho (art. 1º, III e IV), inclusive, assegurando o direito à saúde, ao trabalho, à honra e a imagem (art. 5º, X, e 6º). Além disso, o caput do art. 225 da Carta Magna estatui, in verbis:
Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá- lo para as presentes e futuras gerações.
Assim, considerando que o Estado Brasileiro é fundado na dignidade humana e na valorização social do trabalho assegurando aos indivíduos trabalhadores, os direitos à saúde, ao trabalho e à honra à luz do conceito de meio ambiente equilibrado, decerto condutas abusivas e hostis que exponham a pessoa à situações humilhantes de maneira repetitiva no ambiente de trabalho afrontam todos esses direitos constitucionais e merecem repreensão no intuito de ajustar a conduta lesiva, bem como, reparar os danos suportados pelo ofendido.
Além disso, o Código Civil estabelece o seguinte:
Art. 186 – Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
Seguindo essa linha de raciocínio, ainda, quando alguém comete um ato ilícito tem o dever de reparar o dano causado, senão vejamos:
Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo.
Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
O contexto do assédio moral não é algo restrito aos empregados de empresas privadas e pode ocorrer, inclusive no âmbito da Administração Pública, sendo assegurado também aos servidores públicos o mesmo direito de um meio ambiente de trabalho sadio e equilibrado, livre de assédio moral, nos termos do art. 116, incisos II, IX e XI, da Lei nº 8.112/1990 que diz.
Assim sendo, é possível o assediado pleiteie em juízo a indenização por danos morais em face do assediador e até mesmo da empresa ou órgão público. Para tanto o assediado deverá comunicar a situação ao setor responsável, ao superior hierárquico do assediador ou à Ouvidoria, quando houver.
Além disso, ao mesmo tempo que mantém a empregadora à par de tudo que está acontecendo, inclusive, quanto à possíveis implicações à saúde psicológica do ofendido/assediado é imprescindível que este reúna provas documentais do assédio (fotos, vídeos, prints de conversas, e-mails, documentos como advertências e comunicados, testemunhas que presenciaram o assédio) e, por fim, consultar um advogado a fim de avaliar a possibilidade de ajuizar ação com pedido de reparação de danos morais.
Vejamos alguns julgados interessantes na Justiça do Trabalho acerca do tema em comento:
RESPONSABILIDADE CIVIL DO EMPREGADOR – INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS – ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO – OFENSA À HONRA, À IMAGEM E À DIGNIDADE DA TRABALHADORA CONFIGURADA. Tem-se por assédio moral no trabalho toda e qualquer conduta abusiva manifestando-se sobretudo por comportamentos, palavras, atos, gestos, escritos que possam trazer dano à personalidade, à dignidade ou à integridade física ou psíquica de uma pessoa, pôr em perigo seu emprego ou degradar o ambiente de trabalho. A doutrina destaca que o assédio moral como uma conduta abusiva, de natureza psicológica, que atenta contra a dignidade psíquica do indivíduo, de forma reiterada, possui quatro elementos, a saber: “a) Conduta abusiva; b) Natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo; c) Reiteração da Conduta; d) Finalidade de exclusão” (Rodolfo Pamplona Filho). No caso, em face da conduta da empresa, é de todo possível se concluir que houve aviltamento à integridade moral da reclamante, aí incluídos aspectos íntimos da personalidade humana, sua honra e imagem, haja vista que a ré, por seus prepostos, excedeu seus poderes de mando e direção ao desrespeitá-la no dia adia. É evidente que tal conduta do empregador não pode ser suportada, devendo arcar com a indenização por dano moral, com supedâneo no Código Civil, artigos 186, 187 e 932, III, em função de odioso assédio moral no trabalho.
(TRT-15 – ROT: 00100314920155150022 0010031-49.2015.5.15.0022, Relator: FABIO ALLEGRETTI COOPER, 6ª Câmara, Data de Publicação: 02/09/2019) (Grifou-se)
ASSÉDIO MORAL NO TRABALHO. REITERAÇÃO DA CONDUTA. FINALIDADE DE EXCLUSÃO. NÃO OCORRÊNCIA. Segundo a melhor doutrina, o ilícito de assédio moral no trabalho é caracterizado, principalmente, pela abusividade da conduta, pela natureza psicológica do atentado à dignidade psíquica do indivíduo, pela reiteração da conduta e pela finalidade de exclusão. No caso dos autos, não emerge do conjunto probatório a reiteração da conduta, nem a finalidade de exclusão do empregado. Assim, não há falar em assédio moral no trabalho. Recurso Ordinário conhecido e não provido.
(TRT-11 00007227020145110015, Relator: SOLANGE MARIA SANTIAGO MORAIS, Gabinete da Desembargadora Solange Maria Santiago Morais) (Grifou-se)
CONCLUSÃO
A história do direito do trabalho é marcada pelo exercício da cidadania de trabalhadores que indignados com as más condições de trabalho lutaram em prol de direitos básicos no século XVIII.
No Brasil, a primeira legislação trabalhista foi criada em 1934 garantindo aos trabalhadores direitos básicos. Entretanto, ainda existe muito a ser conquistado na seara trabalhista e toda mudança só será possível a partir do momento que os trabalhadores, assim como aqueles industriais do século XVIII exercerem sua cidadania e participarem de maneira consciente e responsável na sociedade chamando atenção a questões relevantes como o assédio moral no trabalho.
O empregado exerce sua cidadania comunicando mantendo a empresa à par de todas as práticas abusivas, humilhantes e hostis no ambiente de trabalho, bem como documentando todos os fatos com o fito de buscar amparo na Justiça, caso o problema não seja resolvido de maneira administrativa.
A empregadora, por sua vez, tem o dever de zelar por seus trabalhadores adotando medidas preventivas e estimulando um ambiente de trabalho equilibrado à todos, o que de modo algum enfraquecerá o funcionamento da empresa. Na verdade, um meio ambiente de trabalho equilibrado é pré-requisito para bons e elevados resultados em uma organização.
Portanto, o progresso do direito no que tange ao tema “assédio moral no trabalho” está intimamente ligado ao exercício da cidadania de cada um de nós tanto em caráter preventivo quanto no repreensivo/punitivo. Fiquemos atentos ao nosso redor e cuidemos de informar a tantos quantos se encontrarem em situações semelhantes às de um assédio no ambiente laboral.
[1] Acesso em 24/10/2023. TST e CSJT. Pare e Repare. Cartilha de Prevenção ao Assédio Moral. Disponível em: https://www.tst.jus.br/documents/10157/26144164/Campanha+ass%C3%A9dio+moral+e+sexual+-+a5+-+12092022.pdf/f10d0579-f70f-2a1e-42ae-c9dcfcc1fd47?t=1665432735176