A estrutura orgânica da família é regida por normas jurídicas, cujo conjunto constitui o Direito de Família, sendo este um dos mais importantes ramos do direito, uma vez que está arraigado a própria existência do ser humano. A Constituição Federal de 1988 em seu artigo 226 define a família como a base da sociedade, e assegura especial proteção pelo Estado. De acordo com Carlos Roberto Gonçalves:

A família é uma realidade sociológica e constitui a base do Estado, o núcleo fundamental em que repousa toda a organização social. Em qualquer aspecto em que é considerada, aparece a família como uma instituição necessária e sagrada, que vai merecer a mais ampla proteção do Estado.

O Código de 1916 entendia que a família estava ligada a dois pontos fundamentais: o casamento formal e a consanguinidade. Já o Código Civil de 2002 absorveu alterações legislativas advindas das últimas décadas do século passado, atentou-se a evolução social e aos costumes, tudo a luz dos princípios e normas constitucionais. Ainda de acordo com Carlos Roberto Gonçalves:

As alterações introduzidas visam preservar a coesão familiar e os valores culturais, conferindo-se à família moderna um tratamento mais consentâneo à realidade social, atendendo-se às necessidades da prole e de afeição entre os cônjuges ou companheiros e aos elevados interesses da sociedade.

O direito de família rege-se pelos seguintes princípios

  1. a) Princípio do respeito à dignidade da pessoa humana, ancorado no art. 1º, III, da Carta Magna, é de fato, um dos mais nobres princípios, haja vista que o direito de família é o ramo mais humano de todos os direitos. O próprio texto constitucional no art 226, § 7º, da Carta Magna faz referência expressa ao princípio da dignidade da pessoa humana, especificamente ao Direito de Família. Segundo entendimento de Gustavo Tepedino:

[…] a milenar proteção da família como instituição, unidade de produção e reprodução dos valores culturais, éticos, religiosos e econômicos, da lugar à tutela essencialmente funcionalizada à dignidade de seus membros, em particular no que concerne ao desenvolvimento da personalidade dos filhos.

As mudanças ocorridas no século passado nos âmbitos políticos, sociais, científicos e a globalização tornaram imprescindível pensar o direito de família sobre a égide dos direitos humanos. Todas essas mudanças ocasionaram a decadência do modelo patriarcalismo, sendo desde então os direitos humanos o alicerce de sustentação, a partir da noção da dignidade da pessoa humana.

  1. b) Princípio da igualdade jurídica dos cônjuges e dos companheiros, de acordo com a Magna Carta, art. 226, § 5º os direitos e deveres referentes à sociedade conjugal serão exercidos em igualdade pelo homem e pela mulher, com esse princípio desaparece o poder marital, e com o sistema de encapsulamento da mulher, restrita a tarefas domésticas e a procriação, a autocracia do chefe de família é substituída por um sistema em que as decisões devem ser tomadas de comum acordo entre conviventes ou entre marido e mulher. O patriarcalismo não mais se coaduna, efetivamente, com a época atual, em que grande parte dos avanços tecnológicos e sociais está diretamente vinculada às funções da mulher na família e referenda a evolução moderna, confirmando verdadeira revolução no campo social. Conforme preceitua Maria Helena Diniz:

Há uma equivalência de papéis, de modo que a responsabilidade pela família passa a ser dividida igualmente entre o casal. Ao contrário do Código de 1916 que tratava em capítulos distintos os direitos e deveres da mulher e do marido, o Código de 2002 não faz quaisquer distinções, trazendo em seu bojo os direitos de ambos os cônjuges.

  1. c) Princípio da igualdade jurídica de todos os filhos, o art. 226, § 6º da Constituição Federal de 1988 alude que “Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação.” Artigo que foi inserido no Código Civil de 2002. A lei veda, não aceitando mais a distinção entre filiação legítima ou ilegítima estabelecendo absoluta igualdade entre todos os filhos.
  2. d) Princípio da paternidade responsável e planejamento familiar. Aduz o art. 226, § 7º, da Magna Carta que o casal tem livre decisão para o planejamento familiar, sendo norteado pelos princípios da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Inclusive o Código Civil de 2002, no art. 1.565, § 2o , trouxe algumas diretrizes, aclamando que O planejamento familiar é de livre decisão do casal, competindo ao Estado propiciar recursos educacionais e financeiros para o exercício desse direito, vedado qualquer tipo de coerção por parte de instituições privadas ou públicas.
  3. e) Princípio da comunhão plena de vida, o Código Civil de 2002 em seu art 1.511, institui que “O casamento estabelece comunhão plena de vida, com base na igualdade de direitos e deveres dos cônjuges”. Tal princípio é baseado na afeição entre os cônjuges ou conviventes, tem relação com o aspecto espiritual do casamento e com o companheirismo que nele deve existir.

A convivência familiar é desta forma priorizada e nos deparamos com o grupo fundado no casamento ou no companheirismo, outras vezes com a família monoparental que se submete aos mesmos direitos e deveres. O princípio em questão é reforçado pelo art. 1.513 do Código Civil, que proíbe a intervenção de qualquer pessoa jurídica, seja ela de direito público ou privado na comunhão de vida formada pela família.” É defeso a qualquer pessoa, de direito público ou privado, interferir na comunhão de vida instituída pela família.”

  1. f) Princípio da liberdade de constituir uma comunhão de vida familiar, seja através do casamento ou da união estável, a família tem liberdade não se sujeitando a qualquer imposição ou reserva de pessoa jurídica de direito público ou privado, conforme art 1.513 do Código Civil de 2002, já mencionado no princípio anterior. O casal é livre para seu planejamento familiar, sendo o Estado compelido a proporcionar recursos educacionais e científicos ao exercício de tal direito.

Semelhantemente este princípio abrange a livre decisão do casal no planejamento familiar, podendo o Estado intervir apenas para proporcionar recursos educacionais e científicos ao exercício desse direito; a livre aquisição e administração do patrimônio familiar e a opção pelo regime de bens mais conveniente, conforme o art. 1.639 do Código Civil  “É lícito aos nubentes, antes de celebrado o casamento, estipular, quanto aos seus bens, o que lhes aprouver.“ Da mesma maneira a liberdade de escolha pelo modelo de formação educacional, cultural e religiosa dos filhos e a livre conduta, desde que respeitando a integridade físico-psíquica e moral dos componentes da família

Casamento: Conceito e Natureza Jurídica

A família é a pedra angular da sociedade e o casamento é umas das bases da família, sendo a mais importante de todas as instituições de direito privado e a mais discutida. Para Laurent: é o fundamento da sociedade, base de moralidade pública e privada, desta forma, o matrimônio é a peça fundamental do sistema social, configurando-se como coluna do esquema moral, social e cultural do país.

São diversas as definições de casamento apresentadas por vários escritórios, há quem diga que o casamento é apenas um contrato, para outros ele é definido no contexto divino e sacramental e existe também a linha que defende o casamento como um contrato especial de direito de família, protegido sobremaneira por se este o mais especial de todos os contratos. Conforme alude Caio Mário:

O Cristianismo elevou o casamento à dignidade de um sacramento, pelo qual um homem e uma mulher selam a sua união sob as bênçãos do céu, transformando-se numa só entidade física e espiritual (caro uma, uma só carne), e de maneira indissolúvel (quos Deus coniunxit, homo non separet, aqueles quem Deus uniu, não o separe o homem).

Um dos elaboradores do Código Civil francês, Portalis, definiu o casamento como sendo: É a sociedade do homem e da mulher que se unem para perpetuar a espécie, para ajudar-se mediante socorros mútuos e carregar o peso da vida, e para compartilhar seu comum destino.  Tal conceito rendeu muitas críticas, especialmente por apresentar a vida como um fardo e não se referir ao caráter legal e civil do casamento, podendo servir também como certas uniões de fato.

Para Silvio Rodrigues, casamento é “o contrato de direito de família que tem por fim promover a união do homem e da mulher de conformidade com a lei, a fim de regularem suas relações sexuais, cuidarem da prole comum e se prestarem mútua assistência”, conceito do qual cremos adequar-se à realidade atual.

No direito brasileiro duas são as definições consideradas clássicas sobre a ótica do casamento como um contrato, sendo essencial ao conceito moderno e a forma igualitária do matrimônio atual. A primeira definição é de Lafayette Rodrigues Pereira que aduz que “O casamento é um ato solene pelo qual duas pessoas de sexo diferente se unem para sempre, sob promessa recíproca de fidelidade no amor e da mais estreita comunhão de vida”. Ressente-se também ao conceituar o casamento como “um ato” da referência a sua natureza contratual, porque a religião o elevava à categoria de sacramento.

O segundo conceito é de Clóvis Beviláqua, nos seguintes termos: O casamento é um contrato bilateral e solene, pelo qual um homem e uma mulher e unem indissoluvelmente, legalizado por ele suas relações sexuais, estabelecendo a mais estreita comunhão de vida de interesses, e comprometendo-se a criar e a educar a prole, que de ambos nascer. Destaque que a prole não é essencial, uma vez que a falta de filhos não afeta o casamento, haja vista que pessoas com idade avançada podem se casar, e por questões biológicas não tem condições de procriarem, da mesma forma as pessoas estéreis e até mesmo por escolha pessoal.

Diante de tantos conceitos de casamento, vamos optar pela definição de casamento trazida por José Lamartine Corrêa de Oliveira, que considera casamento “o negócio jurídico por meio do qual um homem e uma mulher se vinculam através de uma relação jurídica típica, que é a relação matrimonial. Está é uma relação personalíssima e permanente, que traduz ampla e duradoura comunhão de vida.” O Código Civil português de 1966 também merece destaque ao conceituar em seu art. 1.577 “Casamento é o contrato celebrado entre duas pessoas de sexo diferente que pretendem constituir família mediante uma plena comunhão de vida, nos termos das disposições deste Código.

Em consequência da relação matrimonial temos alguns fins do casamento, que são:

  1. a) A instituição da família matrimonial;
  2. b) A procriação dos filhos;
  3. c) A legalização das relações sexuais entre os cônjuges;
  4. d) A prestação do auxílio mútuo;
  5. e) O estabelecimento de deveres patrimoniais ou não entre os cônjuges;
  6. f) A educação da prole;
  7. g) A atribuição do nome ao cônjuge.

Não existe concordância na doutrina quanto a natureza jurídica do casamento, sendo questão bastante polêmica. É dividida entre as correntes: Contratualista, Institucionalista e eclética ou mista. A corrente contratualista foi recebida pelo Código Napoleão, ela considerava que o casamento civil era um contrato, sendo que sua eficácia e validade emanavam unicamente da vontade das partes.

Em contrapartida a essa corrente, nasceu a concepção institucionalista que defende que o casamento é uma instituição social, na qual há parâmetros estabelecidos pelo legislador. Desta forma, constitui assegurar que ele estabelece um conjunto de normas estabelecidas pelo Estado, que as partes possuem a escolha de aderir, contudo uma vez feita à adesão os efeitos da instituição produzem-se automaticamente, tornando-se a vontade das partes ineficaz.

Dessas duas teorias surgiu então a corrente de natureza mista ou eclética que considera o casamento híbrido, ou seja, contrato e instituição, qualificando-o como ato complexo. É um contrato especial que se difere dos demais contratos patrimoniais, uma vez que o casamento se atrela aos relevantes interesses morais e pessoais, enquanto os demais contratos regem-se em torno de interesses simplesmente econômicos. De acordo com Sílvio de Salvo Venosa:

O casamento faz com que os cônjuges adiram a uma estrutura jurídica cogente predisposta. Nesse sentido apresenta-se a conceituação institucional. […] O que confere a um ato a natureza contratual não é a determinação de seu conteúdo pelas partes, mas sua formação por manifestação de vontade livre e espontânea.

Assim sendo a maioria dos doutrinadores conceitua o matrimônio como um contrato sui generis, conforme lição de Eduardo dos Santos citado por Sílvio de Salvo Venosa: “contrato sui generis de caráter pessoal e social: sendo embora um contrato, o casamento é uma instituição ético-social, que realiza a reprodução e a educação da espécie humana”.